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Pecados da carne vermelha

domingo, 18 de março de 2012

Na busca pelas origens do câncer, muitos alimentos já foram vilanizados. Em 2007, por exemplo, até mesmo o tomate, com fama de ser saudável e ter efeitos antioxidantes, foi objeto de um estudo que o acusava de causador de tumores. Agora, chegou a vez da carne vermelha sentar no banco dos réus. Uma pesquisa norte-americana encontrou relações entre o consumo excessivo do alimento e a incidência de câncer. Para os fãs de um belo churrasco que já se sentem inclinados a desconfiar do resultado, aí vai uma notícia ainda pior: a tese foi defendida por uma das universidades de mais prestígio no mundo, Harvard, nos Estados Unidos.

Os números são substanciosos. Os cientistas observaram os estilos de vida e hábitos alimentares de 37.689 homens e 83.644 mulheres durante 28 anos. Nesse período, 23.926 dos voluntários morreram — 9.464 devido a algum tipo de câncer. Quando excluíram outros fatores que poderiam influenciar os resultados (como o consumo de cigarros, o histórico familiar e a idade), os pesquisadores concluíram que havia fortes indícios de que o consumo excessivo de carne vermelha aumentava as chances de alguém morrer precocemente como vítima de tumores malignos. O quadro ficava ainda pior quando a carne escolhida era processada (como hambúrgueres e bacon).

Segundo o estudo, uma pessoa que consome um bife de 140g por dia teria 10% mais chances de morrer de câncer. Se essa carne for processada, as estatísticas pulariam para 21%. “Nossa pesquisa aumenta a lista de males causados pela carne vermelha. Ela já foi associada ao diabetes tipo 2, a doenças coronárias e ao derrame”, comenta o bioquímico An Pan, líder do estudo.

Em que acreditar?

Não é possível levar a sério todo estudo que relaciona comida ao câncer — sob o risco de tornar-se neurótico ou acabar alimentando-se de pílulas. Principalmente porque grande parte dos levantamentos não é conclusiva e acaba sendo refutada por outras pesquisas em muito pouco tempo. O trabalho científico canadense que condenou o tomate em 2007, por exemplo, contradiz a conclusão de uma série de outras pesquisas, que defendem que o fruto pode, ao contrário, prevenir a formação de tumores malignos. 

Em um mundo em que experimentos e teses brotam com fartura das universidades, em que acreditar, afinal? Na questão alimentar, pelo menos, há uma série de critérios que podem colaborar com a resposta a essa pergunta, afirma a nutricionista Thais Cavendish. “Antes de mudar a vida por causa de uma pesquisa, é preciso analisar criticamente os métodos usados e prestar atenção em qual é a fonte da informação, perguntando-se se ela tem credibilidade. Outra atitude importante é pensar nas variáveis não calculadas que poderiam ter influenciado os resultados”, defende.

Obviamente, quando a universidade responsável pelos dados é Harvard, serão poucos os que colocarão a credibilidade em xeque. Existem, no entanto, limitações científicas a que até as melhores instituições estão sujeitas, como admite An Pan: “Apesar de todas as nossas precauções, como todo estudo observacional, é possível que algum outro dado não considerado tenha confundido nossos resultados”. A equipe, explica o pesquisador, tentou isolar outros fatores de risco já conhecidos, como fumo, idade, peso, consumo de álcool e histórico familiar. Com relação à alimentação, eles tiveram ainda o cuidado de atualizar as informações sobre mudanças de dieta a cada quatro anos. 

“Existe, porém, a possibilidade de que alguns outros elementos tenham desempenhado um papel importante, como o meio ambiente (a poluição pode ser uma grande vilã), a exposição indireta à fumaça de tabaco e os agrotóxicos contidos nos demais alimentos da população estudada. Isso sem falar em outros dados ainda desconhecidos pela ciência”, ressalva Thais. “Mesmo assim, não podemos negar que já há numerosas evidências de que a carne vermelha em excesso faça mal”. Ou seja: na dúvida, não custa nada consumir o alimento com moderação.

Benefícios

A advogada Kathyuscia Kanashiro Andrade, 26 anos, já sentiu na pele que as conclusões do estudo de Harvard apontam para um caminho saudável. Vegetariana há sete anos, ela cita uma lista de benefícios que vieram da decisão de cortar a carne do cardápio. “A digestão é mais rápida e, por isso, raramente tenho aquela sensação ruim de estômago pesado. Antes de optar pelo vegetarianismo, também vivia com o intestino preso; hoje, ele funciona muito bem. Além disso, eu me tornei mais disposta para praticar exercícios físicos e é muito mais fácil perder peso com a nova dieta”, conta ela. 

Seguindo à risca sua cartilha profissional, a nutricionista Ana Carolina Artiolli, 25 anos, fez uma mudança geral na sua alimentação. Começou evitando alguns tipos de carne vermelha, depois ampliou a restrição ao frango e, hoje, no prato dela, só entra peixe. “Sabemos que o consumo de carne traz consigo gorduras saturadas, colesterol e componentes tóxicos. Sem contar a alta quantidade de fármacos e hormônios usados para adiantar o abate. Eu não quero nada disso no meu corpo”, argumenta ela.

Para prevenir o câncer , não é preciso recorrer ao vegetarianismo, como Kathyuscia, ou banir a carne vermelha como Ana Carolina. Os pesquisadores de Harvard não criminalizam o alimento, só a falta de moderação. Seus resultados se referem especialmente ao frequentadores assíduos de churrascarias, como o gerente comercial Phellipe Chiese, 32 anos. “Como carne todo santo dia, em toda refeição. Para se ter uma ideia, minha culinária favorita é a argentina, porque é rica em carnes vermelhas”, conta ele. 

Para pessoas como Phellipe, An Pan recomenda que o consumo de carne vermelha seja reduzido a meia porção ao dia (70g). Nas demais refeições, vale substituí-la por outras fontes de proteína, como peixes, nozes e legumes. A dificuldade mora em mudar os hábitos. Quando soube das conclusões do estudo de Harvard, por exemplo, Phellipe disse que estaria disposto a repensar a alimentação. Depois parou por um instante, refletiu, e perguntou: “De quantos anos de vida estamos falando mesmo?” 

Ameaça à prostata?
Conduzida pela Universidade de Guelph, no Canadá, a pesquisa analisou a recorrência de tumores malignos em homens entre 50 e 84 anos. Depois de eliminar a influência de fatores como fumo e prática de exercícios, os cientistas concluíram que o tomate estava relacionado à incidência de câncer de próstata. Outros estudos, porém, chegaram a conclusões opostas a essa.

Algumas conclusões:

» O consumo de um bife por dia aumenta em 13% as chances de morte precoce e 10% as chances de morte por câncer

» Se essa carne vermelha for processada (como hambúrguer ou bacon) esses números pulam para 20% e 16%, respectivamente

» A substituição diária da carne vermelha por peixe reduz em 7% as chances de morte precoce. A substituição por legumes, em 10%

» Para os pesquisadores de Harvard, se todos os voluntários do estudo tivessem comido apenas meio bife ao dia, 9,3% das mortes entre homens e 7,6% das mortes entre mulheres teriam sido prevenidas

» O consumo ideal de carne vermelha é de 70g (ou meio bife) por dia