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Câncer sem mídia

terça-feira, 1 de novembro de 2011

FERNANDO MALUF - Diretor do Departamento de Oncologia Clínica do Hospital São José/Beneficência Portuguesa de São Paulo, foi do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center (Nova York)

Pouco se ouviu falar em câncer de ovário no último mês, apesar de setembro ter sido o mês de conscientização desse tipo de câncer. Houve uma campanha importante realizada pelo Instituto Oncoguia, mas cujo alcance foi muito menor que o de ações similares vistas para outros tumores. É fácil e ao mesmo tempo difícil entender o porquê.

Difícil porque faz parecer que um câncer que mata quase 3 mil brasileiras por ano, segundo últimos dados disponibilizados pelo Datasus e o Instituto Nacional do Câncer (Inca), não merece o mesmo destaque dos demais. Se, no Brasil, o câncer de mama mata mais — 11 mil mulheres anualmente, quantidade quase quatro vezes maior —, é também infinitamente mais conhecido pela população, em maior ou menor grau. O Inca estima que 3.837 mulheres serão diagnosticadas com câncer ovariano no país em 2011. Nas nações desenvolvidas, é o mais letal entre os cânceres exclusivos das mulheres, os chamados ginecológicos. Aqui, fica atrás apenas de mama e colo de útero, agraciados recentemente com um plano prioritário de ação em oncologia pelo Ministério da Saúde.

Ao mesmo tempo, há razões claras e científicas que explicam por que se ouve falar pouco do câncer de ovário. Trata-se de um tumor não previsível do ponto de vista de políticas públicas de rastreamento. Não há medidas protetoras que possam ser adotadas pelo governo — ou individualmente, pelas mulheres — para evitar o seu aparecimento. Isso vale tanto para a rede pública quanto privada de saúde, tanto para países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Exames preventivos de todos os tipos são ineficazes. O câncer de ovário é o tumor feminino mais difícil de ser diagnosticado em estágio precoce. De cada 10 pacientes, sete chegam ao consultório com o tumor em estágio avançado, já espalhado para outros órgãos. Dessas, apenas um quarto consegue a cura.

É essa difícil realidade que o oncologista tem de enfrentar diariamente: o tratamento com pouca possibilidade de cura. Infelizmente, ao contrário de outros tipos de câncer — que viram o surgimento de novas e eficientes drogas na última década — , para o tumor no ovário os ganhos foram pequenos. É por isso que deve ser recebida com entusiasmo a notícia de que um medicamento, com indicação para outros cânceres, poderá ser usado também por mulheres com esse tumor. O bevacizumabe aguarda aprovação para essa indicação no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Nesta última, um comitê da Agência Europeia de Medicamentos (Emea), a “Anvisa” do velho continente, emitiu recentemente parecer positivo para o uso por mulheres com câncer de ovário. Estudos internacionais mostraram que o medicamento retarda em quatro meses, em média, a progressão da doença, quando aliado à quimioterapia. Esse período é vivenciado pela paciente sem piora dos sintomas. O medicamento é o primeiro biológico — drogas feitas a partir de células vivas, em complexo processo biomolecular — com indicação para esse tipo de tumor. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve decidir sobre a aprovação até o fim do ano que vem.

O fato de não haver maneira de garantir o diagnóstico precoce e métodos de prevenção não quer dizer que não se possa disseminar o conhecimento desse tipo de tumor no país. Trata-se, aliás, de informação da maior importância, para colocar o problema em seu lugar: saúde pública. Do interesse de todos, portanto. E também para que, com o surgimento dos sintomas, as mulheres se conscientizem e procurem um ginecologista. Os sinais mais comuns são: dor pélvica, alteração de hábito urinário e intestinal, assim como aumento do abdômen. Esses sintomas podem ter outras causas, inclusive benignas, mas a hipótese deve ser considerada. Caso haja a confirmação diagnóstica de um câncer de ovário, é preciso procurar profissionais altamente enfocados nessa área — em grandes centros médicos, quando possível, para visar os melhores resultados.

E que a próxima década traga outras boas notícias para essas mulheres, tanto em tratamento quanto na invenção ou aprimoramento de exames de diagnóstico, que possibilitem a detecção do tumor em estágio precoce, quando as chances de cura são muito maiores.