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Tratamento da Dismenorréia com contraceptivos orais

domingo, 29 de maio de 2011

O tratamento da dismenorréia com o uso dos anticoncepcionais orais sofreu uma grande evolução desde a introdução destes no mercado durante a década de 60. Antes mesmo que se entendesse o mecanismo da dismenorréia, as observações clínicas jámostravam que o uso dos contraceptivos orais era eficaz para reduzir as cólicase o fluxo menstrual. Parte deste efeito poderia ser observado de uma maneira objetiva, quando se estudou a contratilidade uterina usando métodos nãoinvasivos como a ressonância magnética e se mostrou que os anticoncepcionais orais podiam reduzir tanto a contratilidade miomrtrial como a dismenorreia (Kido A 2007).

Este efeito supressor que os anticoncepcionais orais tinham sobre a contratilidade uterina estava relacionado à diminuição da produção de prostaglandinas (Bielgmayer 1995). A redução da produção de prostaglandinas com o uso do contraceptivo oral explicaria o efeito inibidor que estes têm sobre acontratilidade uterina diminuindo assim a intensidade da dismenorréia. Entretanto o aumento da contratilidade uterina é apenas uma das múltiplas ações que as prostaglandinas exercem no endométrio e no útero. Como resultado de inúmeros estudos clínicos e experimentais nos últimos anos ficou evidente que as prostaglandinas tinham um papel fundamental na gênese de várias patologias endometriais, e por isso, a sua importância clínica na patologia ginecológica vai muito além do que provocar cólicas uterinas dolorosas durante a menstruação(Modugno 2005).

As prostaglandinas podem ativar a aromatase no endométrio e com isso provocar o aparecimento de uma série de patologias ginecológicas que têm como sintomas em comum a dismenorréia e a menorragia (Attar 2006,Maia 2006). O uso decontraceptivos orais como o Gestinol dentro deste contexto clínico não só seria benéfico para tratar a dismenorréia, mas também teria um importante papel terapêutico na redução do fluxo menstrual, já que 65% das pacientes com dismenorréia referem também aumento da quantidade do sangramento menstrual( Smith 2007, DiCintio 1997).

Aredução da produção de prostaglandinas e da dismenorréia com o uso de contraceptivos orais é um efeito do progestagênio presente na sua formulação (Creatsas 1990) Estudos In Vitro utilizando tecido endometrial, mostraram que a medroxiprogestrona tinha um efeito inibidor tanto sobre a expressão da enzima ciclooxigenase tipo 2 (Cox-2) como sobre a produção de prostaglandinas, e que a retirada desta do meio de cultura não só ativava a expressão da Cox-2 como também estimulava a síntese de prostaglandinas (Sugino 2003). Estes dadosobtidos através de estudos In Vitro sugeriam que o efeito inibidor dos anticoncepcionais orais sobre a produção de prostaglandinas pelo útero eramediado através do bloqueio da enzima Cox-2.

Estudos utilizando técnicas de biologia molecular mostraram que durante a menstruação a transcrição dos genes ligados à reação inflamatória era estimulada no endométrio pela queda dos níveis sangüíneos da progesterona através demecanismos que envolviam a ativação do fator nuclear NF-Kappa. b e a ativação da Cox-2(King 2001).

Duranteo ciclo menstrual a expressão de Cox-2 na glândula endometrial também desaparece durante a fase lútea por causa da ação da progesterona, vindo somente reaparecer durante a menstruação quando os níveis de progesterona caemna circulação (Maia 2005). Os estrogênios produzidos durante a fase folicular, por sua vez, têm um efeito estimulante sobre a atividade de cox-2 na glândula, aumentando assim a inflamação no tecido endometrial (Attar 2006, Modugno 2005 ). Por este motivo no endométrio os estrogênios estimulam e a progesterona inibe aprodução de prostaglandinas O uso de contraceptivos orais contendo 75 mcg degestodeno com 30 mcgs de etnilestradiol (Gestinol), por outro lado, tem um efeito inibidor sobre a expressão de Cox-2 no tecido glandular do endométrio, explicando assim o sua eficácia no tratamento da dismenorréia(Maia 2005).

O gestodeno é um potente progestagênio e por isto bloqueia de uma maneira eficaz a expressão de Cox-2 no endométrio principalmente quando usado de maneira contínua como na formulação do Gestinol (Maia 2005). Este efeito bloqueador ficou evidente desde os primeiros ensaios clínicos utilizando o gestodeno, quando se mostrou que associações contendo 75 mcg de gestodeno e 30 mcg de etnilestradioleram eficazes para tratar dismenorréia mesmo em pacientes que não tinham apresentado uma resposta satisfatória com outros anticoncepcionais orais (Brill1991). É importante que nestes estudos iniciais o gestodeno foi utilizado de maneira cíclica. Entretanto estudos mais recentes mostraram que o uso contínuodos anticoncepcionais orais foi muito mais eficaz para tratar a dismenorréia e outras sintomas ligados a menstruação do que o uso cíclico utilizando os esquemas clássicos com pausa a cada 21 dias (Edelman 2005, Nelson 2007).

Do ponto de vista clínico, a diminuição da dismenorréia é maior quando os anticoncepcionais orais contendo gestodeno são usados em regime estendido, do que quando o regime de 21/7 é utilizado, e isto se deve à maior supressão no endométrio da Cox-2, levando assim à amenorréia e à redução da dor pélvica(Maia, 2005, Maia, 2006). Durante a menstruação, devido à queda de progesterona, ocorre um aumento significativo da expressão da Cox-2 e da produção de prostaglandinas no endométrio que coincide com o inicio do sangramento menstrual  (Nigan 1991 Maia2005). Tanto a progesterona durante a fase lútea tardia como os anticoncepcionais orais contendo gestodeno são potentes inibidores da expressão de Cox-2 no endométrio, sugerindo assim que a ativação do receptor de progesterona reduz a expressão da Cox-2, e dessa forma, contribui à diminuição do  sangramento e das cólicas menstruais que foi observado com o uso contínuo do Gestinol  (Machado 2005,Maia, 2005).

Aparada do anticoncepcional oral, por outro lado, leva também à ativação daCox-2 no endométrio de maneira semelhante ao que ocorre no ciclo menstrual coma queda de progesterona (Maia, 2006). O aumento da expressão da Cox-2 durante a menstruação leva ao aumento da produção de prostaglandinas pelo endométrio, causando assim dismenorréia, uma vez que as prostaglandinas são agentes pró-inflamatórios responsáveis não só pela exacerbação da dor durante esteperíodo, mas também pela quantidade de sangue menstrual perdido (Morrison etal, 1999, Smith 2007).  

Esta é a racionalidade biológica para o uso de contraceptivos como o Gestinol em regime estendido no tratamento da dismenorréia e na redução do sangramento uterino durante a menstruação, já que as prostaglandinas estão envolvidas na fisiopatologia destes processos.  Por este motivo em algumas pacientes sintomáticas a parada mensal do contraceptivo oral além de desnecessária e sem uma base biológica plausível pode ser iatrogênica, já que a diminuição do efeito supressivo do gestodeno no endométrio leva à ativação da Cox-2 com o aparecimento da cólica e do sangramento uterino (Maia 2006), embora numa escala menor devido a maior inibição endometrial.

O aumento da expressão da Cox-2 no endométrio durante a menstruação é portanto um dos mecanismos mais importante para o aparecimento da dismenorréia, independente ou não da presença de patologias associadas já que as prostaglandinas são agentes pró- inflamatórios responsáveis não só pela exacerbação da dor durante este período, mas também pela quantidade de sangue menstrual perdido, explicando desta maneira a resposta clínica favorável obtida com o uso contínuo do anticoncepcional oral nestas circunstâncias(Morrison BW 1999, Machado 2005).

Isto foi de fato observado em um estudo piloto feito no Brasil com o uso do Gestinol , onde se mostrou que o uso contínuo deste anticoncepcional causava uma redução mais eficaz da dismenorréia e dos outros sintomas ligados à menstruação do que a utilização deste de maneira cíclica com pausa a cada 21dias (Machado 2005 ). Isso explica porque as pacientes que têm dismenorréia seja ela primária ou secundária se beneficiam com o uso estendido do Gestinol, pois este diminui a expressão da Cox-2 no endométrio, levando assim à redução da produção de prostaglandinas e, portanto, da dor associada com a menstruação (Morrison e col, 1999, Sulak 2002 2004,2006, Sillem, 2003, Maia, 2005, Maia. 2006).Quanto maior for o período de uso de anticoncepcional oral maior será adiminuição da dismenorréia (Sillem et al, 2003 Sulak 2002 2004,2006 ), sendo que nos casos associados com endometriose, esse deve ser utilizado de maneira ininterrupta a fim de se evitar a recorrência da doença e da dismenorréia secundária assoociada a esta patologia (Wiegratz 2004 et al, ).

Em conclusão, podemos afirmar que a dismenorréia seja ela primária ou secundária é uma condição clínica associada com a inflamação endometrial queocorre durante a menstruação deflagrada pela queda da progesterona. Pelo fatode ser um mecanismo que envolve prostaglandinas , existe o risco de que a exposição freqüente do endométrio a estes agentes inflamatórios possa ativar a enzima aromatase e com isto favorecer o aparecimento de patologias estrogênio dependentes como a endometriose, adenomiose, miomas e pólipos endometriais. Por este motivo a inibição da expressão da cox-2 no endométrio obtida com o uso contínuodo Gestinol, não só vai tratar a dismenorréia mas também vai prevenir o aparecimento de patologias rdytpgênio dependentes.

Referências

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