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Os hormônios da tranquilidade

domingo, 3 de junho de 2012

Já se passaram 10 anos desde que o estudo Women’s health initiative (WHI) foi publicado, deixando mulheres na menopausa e médicos especializados preocupados. Na época, a pesquisa atentou para os efeitos colaterais negativos que a reposição hormonal (RH) poderia causar nas pacientes. Essa publicação influencia até hoje a procura pela terapia. Os problemas, de ataque cardíacos a aumento dos riscos de fratura, fizeram a comunidade científica rever os hormônios prescritos e, com o tempo, muitas das constatações caíram por terra. Atualmente, esse tipo de terapia é realizada com segurança, reduzindo os sintomas desconfortáveis desse período feminino e trazendo mais qualidade de vida para as mulheres, asseguram especialistas.

O WHI levantou muitas dúvidas sobre os efeitos benéficos da reposição hormonal, mas alguns detalhes importantes não foram divulgados, fazendo com que muitas constatações fossem analisadas erroneamente, avalia o médico da família Robert Lager, um dos pesquisadores participantes do estudo. Segundo ele, muitas das pesquisadas iniciaram a terapia em uma idade avançada, o que interferiu no resultado do estudo. “O risco de câncer de mama era sensacionalistas, alimentando os piores temores das mulheres, mas ele é muito baixo quando o tratamento é realizado na idade recomendada”, recorda. 

Segundo o especialista, os efeitos da RH são variáveis, pois deve-se levar em consideração questões como idade, sintomas, hábitos e antecedentes de saúde familiar. “Se a mulher tem casos de câncer na família, por exemplo, nós não fazemos a reposição. Se for fumante, revemos também o melhor tratamento. E isso não foi levado em conta no estudo”, contextualiza Suelen Muniz, ginecologista do Hospital das Forças Armadas. A médica recorda que as mulheres pesquisadas pelo WHI tinham hábitos de vida nada saudáveis, talvez por isso os resultados tenham sido tão diferentes. “Muitas delas eram profissionais de saúde, que têm histórico de estresse pela demanda do trabalho”, diz. Para a médica, esse tratamento é individualizado, não existe uma receita. Por isso, os resultados não podem ser generalizados. 

A cabeleireira Cida Ferreira, 54 anos, faz parte de um grupo de risco que não pode fazer a reposição hormonal. Aos 43 anos, ela começou a se sentir angustiada, fraca e indisposta, e, ao buscar ajuda médica, descobriu que, além de estar na menopausa, tinha um nódulo benigno na tireoide, o que a impedia de fazer a terapia voltada para a falência do útero. “Se eu fizesse a reposição, poderia desenvolver um câncer. Então, utilizo o hormônio T4 para os sintomas do nódulo. O mais curioso é que o mal-estar da menopausa sumiu”, conta.

Tratamento individual
Lager recorda que, como o tratamento individualizado e a idade para iniciar o tratamento não eram levados muito a sério há 10 anos, os resultados obtidos pela WHI também foram confusos. Segundo ele, para que o tratamento seja seguro e eficaz, as mulheres devem começar a reposição 10 anos antes do fim da menstruação, quando a menopausa começa. “Dessa forma, são aliviadas as ondas de calor, os suores noturnos, a secura vaginal, que causa dor na relação sexual, e o aumento da densidade óssea, que protege contra a osteoporose e fraturas”, salienta.

O especialista conta que, dependendo da combinação de hormônios utilizados, há também a proteção contra ataques cardíacos e câncer de intestino. “Contudo, se essa reposição é iniciada depois do período indicado, a terapia pode causar desequilíbrio, aumentando os riscos de ataques cardíacos, de acidentes vasculares cerebrais e de coágulos sanguíneos”, atenta.

A reposição hormonal em Regina Lúcia, 55 anos, foi rápida e eficaz. Aos 51, ela entrou na menopausa, iniciou o tratamento e encerrou há pouco tempo a terapia hormonal. “Mas isso só ocorreu porque fui muito disciplinada. Mudei hábitos alimentares e me exercito”, diz. Ela conta que, antes da RH, se sentia tão estressada e fragilizada que, por vezes, chegava a não se reconhecer. Regina achava que, se fizesse a reposição, estaria se expondo a outras doenças, mas preferiu arriscar. “Deu tudo certo. Hoje, me sinto ótima, linda e maravilhosa, e é isso que importa”, exibe-se.

Lager é enfático ao dizer que, se não feita na hora exata, a reposição hormonal perde a eficácia porque os órgãos ficam sem  capacidade de funcionar como na época em que os níveis de hormônio eram normais. “Nós achamos que isso ocorre por meio de receptores hormonais, que geralmente funcionam como uma chave e uma fechadura. Depois de um tempo, se não estimulado, o que ocorre com a falta de hormônios, o corpo fica enferrujado. Então, se os hormônios (a chave) são introduzidos tardiamente, a chave não se encaixa muito bem”, compara. 

Mas foi a vaidade que fez Rezone Rezende, 47 anos, procurar a reposição hormonal. Entrando no climatério, ela sentiu cansaço e desânimo, o que a impedia de se exercitar. Acostumada a acordar às 5h para malhar, ela começou a ficar tão indisposta que decidiu procurar ajuda médica. “Foi aí que ela me passou hormônios em creme para que aumentassem a minha disposição e a libido, que estava baixa”, recorda. A partir daí, Rezone voltou à vida normal e hoje se sente plena. “Estou no meu melhor momento. Minhas filhas estão criadas e eu, bem demais. Agora, quero curtir”, destaca.

Problemas distintos
É normal fazer confusão entre o climatério e a menopausa. Segundo a ginecologista Suelen Muniz, o primeiro ocorre quando a menstruação começa a falhar. Nesse momento, as ondas de calor surgem e a mulher se sente irritada e fragilizada. Já a menopausa é iniciada quando a ausência da menstruação completa um ano. 

Fraturas em alta
Pesquisa recente da International Osteoporosis Foundation (IOF) indica que 3 milhões de mulheres brasileiras acima dos 50 anos sofrem com fraturas vertebrais. O relatório prevê alta nas lesões decorrentes da osteoporose nas próximas décadas. Acredita-se que a doença afete em torno 33% das mulheres após a menopausa. Atualmente, estima-se que ocorram 121.700 mil fraturas anuais de quadril. Esse número pode chegar a 16% em 2020 e a 32% em 2050. Fraturas nessa região são causa frequente de morte precoce de idosas. Estudos internacionais mostram que em torno de 20% das vítimas morrem em até um ano após o problema. 

Riscos descartados
Segundo a endocrinologista Neli Calegaro, os atuais hormônios utilizados na reposição hormonal (RH) são melhores do que os de antigamente. Por isso, muitos dos riscos do passado foram descartados. “Eram usados hormônios de égua, que realmente aumentavam as chances de câncer. Agora, são prescritos os hormônios idênticos, que se aproximam bastante dos humanos. Logo, os efeitos colaterais são menores”, contextualiza. 

O médico da família Robert Lager conta que havia um pequeno aumento no risco de câncer de mama com a combinação específica de hormônios testada no Women’s health initiative (WHI), como a progesterona utilizada para proteger o útero dos efeitos colaterais do estrogênio. “Essa junção dos estrogênios conjugados equinos (CEE, sigla em inglês) ao acetato de medroxiprogesterona foi associada a um caso de câncer de mama para cada 1.000 mulheres medicadas durante um ano”, explica. 

Lager recorda que estudos recentes sugerem que muitas combinações hormonais não podem ser associadas com o risco desse tipo de tumor. “Pelo contrário, eles mostraram que o câncer de mama foi detectado ainda mais cedo, antes da reposição. Aliás, não há nenhuma evidência até agora provando que a terapia hormonal causa tumores”, diz. Em contrapartida, o médico recorda que o CEE preveniu esse tipo de tumor em mulheres que perderam o útero por retirada cirúrgica. (RR)